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Novo remédio de diabete é usado para emagrecer; médicos apontam riscos

Um medicamento lançado no Brasil em 2019 para o tratamento de diabete tem sido utilizado indiscriminadamente para a perda de peso. Isso acontece, muitas vezes, sem prescrição médica nem acompanhamento especializado de possíveis efeitos colaterais, como vômitos, problemas intestinais e no fígado. O uso indevido está sendo impulsionado por grupos no WhatsApp e no Facebook formados por pessoas que trocam dicas e relatos.

Alguns consultam endocrinologistas antes de tomar a semaglutida (nome genérico do medicamento). Outros iniciam o uso seguindo só orientações obtidas na internet, o que eleva o risco de efeitos indesejados.

No Facebook, um grupo fechado para falar sobre o Ozempic, nome comercial do produto, já soma mais de mil membros. Embora em sua descrição, a página não aborde especificamente o uso para a perda de peso, praticamente todos as publicações dos membros são sobre emagrecimento.

São frequentes na página relatos do histórico de quilos perdidos e da ocorrência de sintomas indesejados; indicações das doses mais adequadas para cada caso e até anúncio de pessoas revendendo o remédio. No WhatsApp, as publicações são semelhantes, mas os participantes também trocam dicas de alimentação saudável e mensagens incentivando colegas a seguirem com o objetivo da perda de peso, mesmo após dietas com pouco resultado ou efeitos colaterais do medicamento.

Segundo médicos, o remédio tem atraído cada vez mais adeptos porque, além de poder ser comprado sem receita, só exige uma aplicação semanal (ao contrário de outros medicamentos, que devem ser tomados ou aplicados diariamente).

“Algumas pessoas que usavam outros remédios estão migrando para esse por causa da praticidade do uso semanal, mas é muito perigosa a automedicação”, destaca Lívia Porto Cunha, endocrinologista do Centro Especializado em Obesidade e Diabetes do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.

“Esse remédio até pode ser prescrito para obesidade na condição off label (quando o medicamento é indicado para algo diferente do expresso na bula), mas toda indicação desse tipo tem de ser muito criteriosa, feita por um especialista que vai avaliar os possíveis benefícios e potenciais efeitos colaterais”, explica a médica.

Riscos

Diretor do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia e presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica, Mário Carra concorda e ressalta que o acompanhamento médico é importante porque nem todos os pacientes respondem da mesma forma. “As pessoas querem tratar a obesidade sem ir ao médico. Acontece que as doses podem ser diferentes para cada paciente e há riscos e contraindicações”, destaca.

De acordo com os médicos, entre os efeitos colaterais mais comuns estão enjoos, vômitos e alterações intestinais, podendo o remédio causar tanto constipação quanto diarreia. “O remédio é um análogo de um hormônio que retarda o esvaziamento gastrointestinal, então a pessoa se sente mais cheia, saciada. Se ela mantém o hábito alimentar de antes, comendo a mesma quantidade de comida, pode ter esses efeitos colaterais”, afirma Lívia.

Especialistas ressaltam ainda que o remédio é restrito para gestantes, mulheres que amamentam, pessoas com problemas no fígado ou pâncreas ou com histórico de câncer de tireoide na família. “Há também risco de alergia a algum componente do remédio ou reação inflamatória no lugar da picada”, explica Carra.

Outro problema do uso sem orientação médica é a rápida recuperação do peso perdido após a suspensão do uso. “Quando o alicerce do tratamento é apenas medicamentoso, há grande risco de novo ganho de peso ao fim do tratamento”, diz Lívia. Ela ressalta que a estratégia para perder peso com remédios deve ser complementada com dieta e atividade física.

O laboratório farmacêutico Novo Nordisk, fabricante do Ozempic, afirmou que “de nenhuma forma endossa ou apoia a promoção de informações de caráter off label” e ressaltou que “o medicamento não foi aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o tratamento da obesidade”.

Histórico

Não é a primeira vez que um remédio para diabete é usado de forma indevida para a perda de peso. Em 2011, o medicamento liraglutida (mais conhecido por seu nome comercial, Victoza) chegou ao Brasil para o tratamento de pacientes diabéticos. Ficou popular, porém, entre os interessados em perder peso. Na época, médicos também fizeram o alerta para os riscos do uso sem acompanhamento. Cinco anos depois, a mesma substância foi lançada para o tratamento da obesidade, mas em nova versão e com dosagens diferentes.

Nas redes, ela criou coragem para tomar

Embora esteja animada com o resultado obtido até agora com o remédio semaglutida, a empresária Luciana Manzo, de 48 anos, demorou a tomar coragem para iniciar o tratamento, mesmo após consultar um endocrinologista. Desde que começou a aplicar o medicamento, há um mês, já perdeu 3,5 quilos, mas conta que teve muito medo de iniciar o uso ao ler relatos de efeitos colaterais na internet.

“Entrei em grupos no Facebook e, quando vi os relatos, fiquei um pouco assustada porque tinha gente que passava muito mal. Embora eu tivesse comprado a injeção no começo de novembro, fiquei por quase um mês com ela na geladeira, sem coragem de tomar”, diz ela.

Luciana decidiu iniciar o uso ao tirar dúvidas com seu médico e, principalmente, ao ser incentivada por outras pessoas nas redes sociais. “Meu médico é de muita confiança, mas eu tinha medo de passar mal. Então fui lendo os relatos no Facebook e decidi criar um grupo no WhatsApp para falar sobre o assunto porque acho que lá os diálogos são mais participativos, diretos e dinâmicos. Teve um rapaz que me incentivou muito, então o grupo me ajudou a criar coragem para tomar.”

A empresária conta que os únicos efeitos colaterais que sentiu até agora foram uma leve dor de cabeça e intestino preso. Diz, no entanto, conseguir contornar os sintomas.

Luciana diz que, mesmo sabendo dos riscos de efeitos colaterais, optou pelo tratamento porque, além de estar sendo acompanhada por um especialista, estava frustrada com outras alternativas que havia tentado para emagrecer.

“Em 2016, tive um problema de saúde muito sério e tive de tomar corticoide. Engordei 15 quilos. Já tentei várias dietas e outros medicamentos, mas não tive o resultado esperado”, conta. “Minha mãe desenvolveu diabete por causa da obesidade e não quero passar por isso, quero continuar tentando emagrecer”, acrescenta.

Frustração

Ao contrário de Luciana, a advogada Cláudia Vieira, de 50 anos, não teve resultado com o uso do medicamento. “Estou usando há um mês e não sinto essa sensação maior de saciedade”, conta. “O problema é que é um remédio caro. Paguei R$ 600, e não estou tendo resultado nenhum”, conta ela.

PERGUNTAS & RESPOSTAS

1. Como funciona o remédio semaglutida e para quais doenças ele é indicado?

O medicamento é um análogo do hormônio GLP-1, que, entre outros efeitos, aumenta a secreção de insulina e, portanto, é indicado para o tratamento de diabete tipo 2. Ele recebeu o registro da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em agosto de 2018, mas chegou ao mercado só no ano seguinte.

2. Por que o remédio também está sendo usado como emagrecedor?

Porque, embora não tenha sido estudado para esse fim, o hormônio GLP-1 também tem a capacidade de retardar o esvaziamento do estômago, reduzindo o apetite e aumentando e prolongando a sensação de saciedade.

3. Ele foi aprovado para o tratamento da obesidade?

Não. Segundo indicação da bula, deve ser usado somente para o tratamento de diabete tipo 2. Isso porque, embora ele tenha demonstrado efeito emagrecedor, os estudos clínicos foram feitos somente com pacientes diabéticos. Segundo o fabricante do medicamento Ozempic, nome comercial da semaglutida, os estudos mostraram que o remédio promoveu uma redução da taxa de açúcar no sangue, do risco de morte cardiovascular, enfarte não fatal e Acidente Vascular Cerebral (AVC) não fatal.

4. Mesmo sem ser indicado para a obesidade, ele pode ser prescrito com esse fim?

Sim, mas somente por especialistas e com cautela. Os médicos até podem prescrever remédios na condição off label, ou seja, para uma doença ou condição diferente daquela indicada na bula, mas isso deve ser feito de forma muito criteriosa, com a análise do perfil de cada paciente e dos possíveis riscos. Os especialistas advertem que nem todos os pacientes respondem da mesma forma ao remédio.

5. Quais os riscos e efeitos colaterais do semaglutida?

O medicamento pode provocar enjoos, vômitos, diarreia e outros sintomas digestivos. Pode ser contraindicado para gestantes, mulheres que amamentam, pacientes com problemas hepáticos ou no pâncreas, pessoas com alguns tipos de tumor na tireoide ou histórico na família desse tipo de câncer. A análise detalhada dos riscos para cada paciente só pode ser feita por um médico especialista. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Por Fabiana Cambricoli

Estadão Conteúdo

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