Na noite do domingo passado, o culto na igreja evangélica Assembleia de Deus de Amadora, na Grande Lisboa, em Portugal, transcorreu como de costume. Nem parecia que na semana anterior três pastores brasileiros da congregação haviam sido detidos pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) do país europeu sob a acusação de tráfico de pessoas e associação para o auxílio à imigração ilegal. Após audiência, os religiosos foram liberados.
As famílias de imigrantes brasileiros resgatados – na versão das autoridades – pelos agentes portugueses continuam morando no templo. Todas manifestaram desejo de permanecer. O inspetor do SEF Gonçalo Rodrigues, um dos responsáveis pela operação, confirmou que nenhuma família foi retirada. “Todos continuam lá. O processo não é imediato.” Ele disse que não tem autoridade para determinar se o local é de fato precário e não pode dar detalhes.
O Estado de S. Paulo encontrou um dos pastores acusados, mas por orientação do advogado ele não quis dar entrevista. Disse apenas estar tranquilo, pois confia na Justiça portuguesa. Procurada, a Assembleia de Deus não se manifestou.A igreja tem cerca de 90 frequentadores habituais, a maioria imigrantes brasileiros. O templo foi adaptado para abrigar as famílias.
“As salas onde estão as famílias já foram usadas como sala de reuniões, do coro. Mas alguns fiéis estavam passando por necessidades e acabaram vindo morar aqui”, explicou L.P., uma das frequentadoras mais antigas da igreja, que pediu para não ser identificada.
Os fiéis temem a exposição, pois o caso teve grande repercussão em Portugal. “Ia começar em um emprego no dia em que a SEF apareceu aqui. A dona da empresa viu a reportagem na TV, reconheceu a igreja onde estava morando e desistiu de me contratar”, disse C.F., uma brasileira que mora com o marido e dois filhos em um dos quartos improvisados no templo.
Ela diz que, se não fosse pelo alojamento na igreja, estaria na rua. A família de C.F. saiu de Minas há três meses para morar na Espanha, mas os planos não deram certo. “Meu marido ia trabalhar na construção civil, mas quando chegamos na Espanha a obra foi embargada. Por não falar espanhol, não conseguimos emprego lá e decidimos vir para Portugal”, afirmou. Sem dinheiro para as passagens de volta ou para alugar um apartamento, pediram ajuda na igreja.
Dízimo
As famílias confirmaram que pagam aluguel pelo espaço e o dízimo à igreja. “O pastor não me obriga a pagar o dízimo. Pago porque está na Bíblia”, disse F.N., um português que mora na igreja. Uma das moradoras, que saiu de Goiás para morar em Portugal há seis meses, disse que ela mesma sugeriu ao pastor pagar 300 (cerca de r$ 790) para ficar. As famílias têm chaves dos quartos, podem entrar e sair quando desejam e dizem estar no local por considerar a melhor opção.
“Tenho TV nova, PlayStation, pago internet só para minha família, minha mãe veio de férias me visitar, atrás da minha cama a parede tem textura azul. Se estivesse aqui à força, mandaria meu marido fazer textura na parede?”, indaga C.A, de São Paulo, que mora com o marido e a filha na igreja há mais de um ano. “Não é o ideal, sonho em ter uma casa. Mas, enquanto não dá, prefiro ficar aqui.”
O SEF informou que a maioria dos brasileiros estava em situação irregular, trabalhando sem “título jurídico válido”. As famílias que a reportagem encontrou estavam de fato sem autorização de residência ou visto de trabalho. Todas, contudo, têm processos de regularização em andamento. Portugal permite que pessoas que entraram como turistas peçam residência sem sair do país caso encontrem trabalho. Com a alta procura, o processo de regularização tem demorado mais de um ano. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Luciana Alvarez, especial para AE
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