Um dos postos mais estratégicos do governo, a Subchefia de Assuntos Jurídicos (SAJ) virou alvo de críticas fora do Palácio do Planalto pelas “barbeiragens” no primeiro ano da gestão Jair Bolsonaro. As derrapadas da repartição responsável por aconselhar o presidente na tomada de decisões já o obrigaram a recuar de anúncios, como uma Medida Provisória (MP) para aumentar salários de policiais do Distrito Federal, e provocaram mal-estar com o Supremo Tribunal Federal (STF), após a insistência em transferir a demarcação de terras indígenas para o Ministério da Agricultura.
A pasta é ligada à Secretaria-Geral da Presidência e os dois cargos são acumulados pelo ministro Jorge Oliveira, um dos auxiliares mais próximos do presidente, além de ser seu amigo. Advogado e policial militar da reserva do Distrito Federal, ele assumiu a SAJ no início do ano, quando a secretaria ainda se reportava à Casa Civil, comandada por Onyx Lorenzoni. Foi alçado a ministro-chefe da Secretaria-Geral em uma reestruturação feita em junho do ano passado e levou consigo o núcleo da SAJ, esvaziando a Casa Civil.
Em um ano de governo, a Subchefia de Assuntos Jurídicos já deu aval para aumentos salariais sem dotação orçamentária, reedição de Medida Provisória – texto legal que tem vigência imediata – com conteúdo idêntico no mesmo ano, o que é vedado pela Constituição, e decretos com trechos considerados inconstitucionais.
Nos bastidores, as “barbeiragens” jurídicas são atribuídas ao fato de um novo governo demorar para se familiarizar com o dia a dia da burocracia, mas também ao atropelo patrocinado pela equipe de Oliveira, na tentativa de emplacar projetos de interesse de Bolsonaro e seu eleitorado. Integrantes do governo ouvidos pelo Estado avaliam que o Planalto e sua assessoria jurídica “testam limites” ao propor medidas questionáveis do ponto de vista legal. Há também receio com a exposição do próprio Bolsonaro, que muitas vezes fica à beira de cometer ilegalidades ao assinar atos validados pela subchefia jurídica.
A atuação da SAJ já foi alvo de “reparos” até mesmo de outros órgãos do governo. O jornal Estado de São Paulo apurou que a equipe de Oliveira foi alertada pela Advocacia-Geral da União (AGU) sobre a ilegalidade de editar uma segunda MP para transferir para a Agricultura a atribuição de demarcar terras indígenas, hoje com a Fundação Nacional do Índio (Funai).
A primeira tentativa foi barrada pelo Congresso. Mesmo assim, a SAJ deu sinal verde para atender à pressão dos ruralistas, e a tentativa foi derrubada no Supremo, por unanimidade. No julgamento, o ministro Celso de Mello, decano da Corte, classificou a conduta do governo como “clara, inaceitável transgressão à autoridade suprema da Constituição”.
No embate mais recente, a SAJ “driblou” a área econômica e deu parecer favorável à publicação de uma MP para conceder aumento às polícias Civil e Militar do Distrito Federal sem que houvesse dinheiro destinado para esse fim no Orçamento de 2020. Autorizar gastos sem a devida dotação orçamentária foi uma das acusações que pesaram contra a então presidente Dilma Rousseff em seu processo de impeachment.
O Ministério da Economia só entrou em campo quando a medida estava praticamente pronta para ser publicada. Em dois pareceres, a equipe de Paulo Guedes alertou Bolsonaro de que a medida viola a Constituição e questionou o instrumento jurídico usado para propor os reajustes. Após a divulgação do teor dos documentos pelo jornal, o Planalto pressionou a área econômica a mudar de posição, mas no fim desistiu da MP e enviou a proposta conforme o regulamento.
O episódio, porém, deixou uma ferida. Em conversas reservadas, integrantes da Economia dizem se preocupar com o que chamam de “manobras” da ala política para levar adiante propostas que produzem desequilíbrio fiscal, como um “resgate” da ginástica contábil ocorrida na gestão Dilma. Afirmam, ainda, que têm ficado “no escuro”, enquanto outros setores discutem temas que envolvem recursos da União, como a criação de um fundo para amortecer os efeitos da oscilação do petróleo nos preços dos combustíveis.
Por outro lado, a equipe econômica também foi criticada pela edição da MP que acabava com o DPVAT, seguro obrigatório para proprietários de veículos. O texto foi suspenso pelo STF, em derrota já esperada por técnicos da área jurídica. Para o relator do caso, ministro Edson Fachin, a MP “atenta” contra a Constituição e o entendimento foi acompanhado pela maioria.
Em nota encaminhada ao jornal, a SAJ afirmou que “divergências de interpretação são naturais e integram o processo de depuração das propostas”.
Para a advogada Vera Monteiro, professora de Direito Administrativo da FGV-SP, o Planalto adota uma estratégia de “testar os limites” legais ao elaborar normas que atendem ao eleitorado fiel a Bolsonaro. Dessa forma, segundo ela, mesmo que a medida seja barrada pelo Congresso ou pelo STF, o presidente constrói a narrativa de que lutou pelos interesses da sua base até o fim. “É um governo que está muito empenhado em executar suas pautas eleitorais e explora a falta de segurança jurídica e de critérios muito claros sobre a edição de normas pelo Executivo”.
O ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão apontou “erros elementares” na condução de decisões do governo. “A SAJ está na mão de amadores”, disse Aragão, que é advogado do PT. “Todo mundo sabe que não pode reeditar medida provisória. Isso é banal, de um primitivismo assustador. Parece que os diversos níveis da administração não conversam entre si”, afirmou. “A SAJ não pode errar. Ela é o último filtro.”
Alvo de críticas de integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF) e da equipe econômica do governo, a Subchefia de Assuntos Jurídicos (SAJ) da Presidência da República mantém perfil discreto e evita confrontos públicos com outros órgãos. Sobre as avaliações negativas que se intensificaram nas últimas semanas, a SAJ afirmou, em nota, que “divergências de interpretação são naturais” e que os diferentes pontos de vista fazem parte do processo.
“Os atos normativos assinados pelo presidente da República são analisados previamente pelas áreas competentes do governo, incluindo a SAJ, responsável pela última análise de juridicidade e constitucionalidade das propostas. Divergências de interpretação são naturais e integram o processo de depuração das propostas”, diz o texto. “Quanto às decisões judiciais, cumprir o que nelas é determinado, ainda que se discorde, é uma imposição da ordem constitucional e da democracia.”
No Palácio do Planalto, os comentários contra o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, que acumula o comando da SAJ, não têm respaldo no gabinete do presidente. Mesmo após ter dado aval para medidas com falha de redação ou de instrumento legal, Oliveira, que acumula a Secretaria-Geral da Presidência, mantém a confiança de Jair Bolsonaro. O ministro evita comentários públicos sobre assuntos polêmicos e repassa a mesma orientação ao restante de sua equipe, que evita falar com a imprensa. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Por Idiana Tomazelli, Rafael Moraes Moura e Julia Lindner
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