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Após dez anos da morte, família quer tornar Zilda Arns santa

Dez anos após sua morte, vítima de um terremoto em Porto Príncipe, no Haiti, a médica Zilda Arns Neumann (1934-2010) segue lembrada por seu legado social, as três indicações ao Nobel da Paz e sua trajetória de vida. Conforme Lilian Arns, sua sobrinha, disse ao Estado, todos os dias chegam depoimentos sobre feitos realizados por ela – material que, organizado em sigilo, está se tornando o dossiê que pode ajudá-la a ser reconhecida como santa pela Igreja Católica.

Irmã de Paulo Evaristo Arns (1921-2016), frade franciscano que foi cardeal da Igreja e arcebispo de São Paulo, Zilda formou-se em medicina pela Universidade Federal do Paraná em 1959, especializou-se em saúde pública, pediatria e sanitarismo. Em 1983, a convite da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), criou a Pastoral da Criança.

“Seu trabalho foi um marco na história dos cuidados com crianças no Brasil. Graças ao trabalho coordenado por ela, houve uma mudança significativa nos cuidados básicos da saúde das crianças em comunidades mais pobres, com redução de mortalidade e desnutrição infantil”, avalia a sobrinha Lilian Arns, coordenadora diocesana da Pastoral da Criança de Criciúma (SC).

Zilda Arns estava no Haiti a trabalho, em missão da Pastoral da Criança, quando acabou se tornando uma das milhares de vítimas de um terremoto de intensidade 7. Ela havia chegado ao país dois dias antes. Cinco anos depois de sua morte, em 2015, a Igreja Católica abriu um processo de canonização. Pelas normas eclesiais, os trabalhos foram iniciados em Porto Príncipe, no Haiti – local de sua morte. Contudo, graças a esforços da Pastoral da Criança no Brasil houve uma transferência do processo para Curitiba, no Paraná, onde ela viveu a maior parte da vida.

Especialistas ouvidos pelo Estado afirmam que essa transferência para o Brasil é fundamental. Isso porque, na fase diocesana, um processo de canonização depende justamente de relatos, testemunhos e pesquisas biográficas que atestem a potencial “santidade” do candidato.

Fila da canonização. Segundo informações obtidas pelo Estado com a Comissão para a Causa dos Santos da CNBB, atualmente são 134 os brasileiros na fila da canonização. Cinquenta e dois estão no último degrau – foram beatificados -, 14 estão na fase romana – são veneráveis – e 68 ainda estão na primeira etapa, a diocesana, caso de Zilda. Estes são considerados servos de Deus.

“O caminho da canonização passa por várias etapas. Primeiro, a diocese precisa receber da Santa Sé a autorização para começar um processo de investigação sobre a vida de quem se quer promover aos altares”, explica dom Jaime Vieira Rocha, presidente da Comissão para a Causa dos Santos. “Neste período, o candidato é chamado de servo de Deus e já se investiga possíveis milagres.”

Quando esta fase é concluída, o material é enviado para a Congregação para as Causas dos Santos, órgão do Vaticano, “que através de seus consultores e peritos irá propor o reconhecimento da prática das virtudes heroicas, tais como a fé, a esperança, a caridade”. Um decreto, então, reconhece o candidato como venerável. Um primeiro milagre é necessário para a beatificação. A canonização depende de um segundo.

Médicos santos. Levantamento nos dados do Vaticano mostra outra curiosidade. Se Zilda Arns se tornar santa, será o terceiro caso desde 1588 – quando foi criada, pelo papa Sisto VI (1521-1590), a congregação que uniformizou de modo criterioso os processos de canonização – de um médico canonizado. Antes, o papa João Paulo II (1920-2005) tornou santos os médicos italianos Giuseppe Moscati (1880-1927), em 1987, e Gianna Beretta Molla (1922-1962), em 2004.

Considerando o rol daqueles brasileiros que já foram santificados, Zilda ainda tem um predicado interessante: ao contrário dos demais, foi uma leiga, e não uma religiosa. Dentre os 37 santos do Brasil reconhecidos pelo Vaticano, só não são padres ou freiras 28 dos 30 canonizados conjuntamente como “mártires de Cunhaú e Uruaçu”, feitos santos de forma coletiva pelo papa Francisco, em 2017. Ou seja: todos aqueles que foram canonizados individualmente tinham uma vida religiosa.

“Acreditamos que, mais do que algo pessoal para ela, seria um reconhecimento para o exército de leigos cristãos que atuam na entidade”, comenta o coordenador internacional da Pastoral da Criança, Nelson Arns Neumann, filho de Zilda.

Criado em 2014, museu em Curitiba relembra legado

Em Curitiba, foi criado em 2014 o Museu da Vida, memorial que reúne fotos históricas, prêmios e itens pessoais de Zilda Arns. Em 2019, o espaço, com entrada gratuita, recebeu 50 mil visitantes. Para este fim de semana, a cidade também tem uma programação especial. Segundo Vanuza Wistuba, coordenadora de comunicação da Pastoral, haverá um tríduo em Ação de Graças pelos 35 anos da Pastoral da Criança e homenagem pelos dez anos da morte. “Esperamos receber em torno de 10 mil pessoas durante os três dias”, diz ela. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Por Edison Veiga, especial para a AE

Estadão Conteúdo

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